A concessão judicial de medicamentos mostra-se via crucial para garantir o direito à saúde quando o SUS nega ou atrasa insumos
Negativas administrativas e demora no SUS empurram pacientes ao Judiciário — e o tempo pode ser a diferença entre vida e morte.
O problema e a resposta legal
No Brasil, estima-se que existam cerca de 13 milhões de pessoas com alguma doença rara, muitas vezes dependentes de medicamentos que ainda não foram incorporados ou sequer são fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) registram um crescimento exponencial das demandas relacionadas à saúde, proporcionalmente muito superior a outras matérias. Frente a negativas administrativas ou atrasos injustificados, o recurso ao Poder Judiciário tem se transformado, na prática, em alternativa recorrente para assegurar o direito constitucional à saúde, previsto no artigo 196 da Constituição Federal.
Parâmetros do Supremo e limites para concessões
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar a matéria, firmou critérios de observância obrigatória para a concessão judicial de medicamentos registrados na Anvisa, mas não disponibilizados pelo SUS. Entre os requisitos estão: (a) negativa de fornecimento na via administrativa; (b) demora injustificada na apreciação do pedido; (c) imprescindibilidade do tratamento e impossibilidade de substituição por outro medicamento disponível; e (d) incapacidade financeira do paciente.
Além desses requisitos, o STF exige evidências de alto nível científico — ensaios clínicos randomizados, revisões sistemáticas ou meta-análises — para sustentar a indicação médica. Essa exigência busca limitar decisões com base apenas em relatórios médico-legais singulares, mas também eleva a barreira para pacientes com condições raras ou tratamentos emergentes, onde evidências robustas podem ser escassas.
Como o Judiciário tem atuado e seus efeitos
Quando a administração pública falha por omissão ou demora, o Judiciário tem concedido antecipações de tutela e sentenças que obrigam a aquisição de insumos, muitas vezes a custo elevado. O socorro ao Poder Judiciário revela-se, em grande medida, a única alternativa possível diante de negativa injustificada, conforme já foi registrado em análises e na própria jurisprudência.
Essas decisões garantem acesso imediato ao tratamento, mas geram tensões institucionais: gestores de saúde alegam desequilíbrios orçamentários e riscos à gestão técnica do SUS; magistrados, por sua vez, lidam com um direito fundamental que não pode ficar subordinado a vácuos administrativos.
Na prática, há um duplo efeito. Para o paciente, a tutela judicial frequentemente representa salvação e efetivação do direito humano à saúde. Para o sistema público, intensifica a pressão sobre listas de incorporação, planejamento de compras e prioridades políticas.
Análise prática e desafios éticos
Do ponto de vista jurídico e ético, há um conflito legítimo entre o caráter individual da tutela judicial e a necessidade coletiva de gestão do SUS. A cobrança por tratamentos caros e não incorporados pode melhorar a visibilidade de lacunas do sistema, mas também indica a urgência de políticas públicas mais transparentes e céleres sobre incorporação de tecnologias e insumos.
É dever do Estado assegurar o bem-estar físico, mental e social do indivíduo, reduzindo riscos, garantindo acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, como dispõe a legislação e a Constituição. Quando o Poder Público mostra-se indiferente, corre o risco de incorrer em omissão inconstitucional.
Além disso, a exigência de evidências de alto nível pode deixar pacientes com doenças raras em desvantagem, pois muitos tratamentos ainda carecem de estudos amplos. É preciso equilíbrio: valorizar ciência robusta sem esquecer a urgência do caso humano.
Uma breve conexão cristã
Como lembra a fé cristã em textos como Isaías 1:17 — que conclama à justiça e ao cuidado com os vulneráveis —, a proteção dos enfermos e a busca por soluções concretas são expressão prática da compaixão pública. Essa perspectiva ética reforça a ideia de que política e justiça devem convergir para salvaguardar a vida humana.
O desafio agora é transformar decisões judiciais e emergenciais em políticas públicas permanentes, que ampliem o acesso, acelerem avaliações técnicas e tornem o SUS capaz de responder com maior previsibilidade às necessidades reais da população.
Em última análise, a atuação do Judiciário ocupa espaço deixado pela administração e evidencia uma urgência: aprimorar os mecanismos de incorporação de medicamentos, fortalecer a governança do SUS e reduzir a necessidade de litígios para garantir o direito constitucional e humanitário à saúde.
Fonte: levantamento público sobre doenças raras, dados do CNJ e jurisprudência do STF (Súmula Vinculante 61; RE 566.471). Texto com informações e interpretação jornalística.

