A decisão que determinou o início imediato da pena contra Jair Bolsonaro abriu um rastro de críticas técnicas e jurídicas — e levanta dúvidas sobre garantias processuais fundamentais.
O que foi decidido
O ministro Alexandre de Moraes declarou, de forma monocrática, o trânsito em julgado no processo do Núcleo 1 da ação penal da tentativa de golpe e determinou o início imediato do cumprimento da pena de 27 anos e três meses de prisão. A Primeira Turma do Supremo referendou por unanimidade o despacho do relator.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam quatro elementos que, somados, explicam a reação: a antecipação do trânsito em julgado antes da publicação final, a ordem para início imediato em regime fechado, a classificação prévia de recursos como protelatórios e a concentração do controle das visitas e da rotina prisional nas mãos do próprio relator. Há ainda a fixação de R$ 30 milhões a título de reparação por danos morais coletivos, valor considerado excepcional.
1. Trânsito em julgado declarado antes da formalidade
No plano processual, o episódio mais questionado foi a declaração monocrática de encerramento do processo — o chamado trânsito em julgado — e a determinação simultânea de cumprimento da pena. O constitucionalista André Marsiglia criticou o gesto ao afirmar que a decisão foi tomada “embora ainda caibam recursos, inclusive embargos infringentes”.
Para críticos, a medida antecipa etapas e reduz o tempo natural de tramitação, comprometendo garantias do devido processo legal. Tradicionalmente, o fim formal do processo ocorre após a publicação do acórdão e o decurso dos prazos recursais.
2. Início imediato do regime fechado por decisão única
Além de decretar o trânsito em julgado, Moraes ordenou, no mesmo despacho, o começo do cumprimento da pena em regime fechado. Criminalistas destacam que essa atribuição costuma ser do juiz da execução penal, que avalia condições logísticas e de segurança.
O doutor em Direito Luiz Augusto Módolo apontou que a concentração desse procedimento no relator amplia críticas sobre personalização e excesso de centralização. Em casos de grande repercussão, diz a prática, a cautela costuma ser maior.
3. Recursos taxados de protelatórios e risco de cerceamento
Outro ponto controverso foi a decisão de tratar como protelatórios embargos que a defesa poderia interpor, com o argumento de que o julgamento teve apenas um voto pela absolvição, e não dois, como exigido pelo regimento do Supremo.
O professor Alessandro Chiarottino criticou esse enquadramento ao afirmar que “rotular de antemão um recurso como manobra e usá-lo como motivo para acelerar o trânsito em julgado” reduz as possibilidades de revisão pelo colegiado. O criminalista Gauthama Fornaciari alertou que “está havendo um cerceamento do direito de defesa” e que, na visão de parte da defesa, “cerceamento de defesa gera nulidade absoluta da decisão”.
4. Controle de visitas e rotina concentrado no relator
A decisão também atribuiu ao ministro o controle sobre visitas ao condenado, exigindo autorização prévia do magistrado, com exceção de advogados e médicos. Observadores consideram incomum que o Supremo interfira diretamente em detalhes do cotidiano prisional, normalmente regulados pela Vara de Execuções.
Essa centralização reforça a percepção de que medidas excepcionais foram adotadas e que a execução da pena ficou muito vinculada ao gabinete do relator.
Consequências jurídicas e políticas
Especialistas ouvidos apontam que o conjunto de decisões abre brechas para recursos e eventuais reversões. Menciona-se a possibilidade de agravos regimentais, embargos infringentes ou mesmo habeas corpus em caráter excepcional, sobretudo se forem detectados vícios que impliquem cerceamento de defesa.
A quantia de R$ 30 milhões como reparação por danos morais coletivos também é vista como atípica. Módolo ponderou que o caráter exemplar da multa reforça a percepção política do resultado: “A quantia reforça a sensação de que a decisão buscou simultaneamente punir e sinalizar politicamente. Foi uma punição à direita no Brasil”.
Analistas ressaltam que, juridicamente, decisões consideradas teratológicas ou com ilegalidades flagrantes já motivaram ações de controle jurisdicional no Supremo, incluindo habeas corpus em situações extremas.
Na esfera pública, a rapidez e a centralização do procedimento intensificaram o debate sobre equilíbrio entre firmeza no combate a crimes contra a ordem democrática e preservação das garantias processuais que sustentam um Estado de Direito.
Uma breve lembrança espiritual: “Fazer justiça é motivo de alegria para o justo” (Provérbios 21:15), o que pede que o exercício do poder judicial preserve tanto a eficácia da lei quanto a clareza dos procedimentos.
Em síntese, juristas veem a decisão como uma combinação de rigor punitivo e aceleração processual que pode gerar contestações e eventuais caminhos de reversão. O caso permanece sujeito a novos capítulos jurídicos, enquanto a sociedade observa, com divisão e preocupação, os limites entre decisão judicial firme e garantias processuais essenciais.

