Conforto e risco: como a fé orienta o luto diante de tecnologias que recriam quem se foi
Nas últimas semanas, a internet viu um vídeo viral que reacendeu um debate profundo sobre memória, saudade e tecnologia: o aplicativo 2Wai, cujo post publicado pelo cofundador Calum Worthy “já ultrapassou 40 milhões de visualizações”, mostra avatares que possibilitam conversas com pessoas que morreram. A própria apresentação do serviço afirma que “2Wai cria "gêmeos digitais" usando vídeos gravados da pessoa ainda viva; processo leva cerca de três minutos.”
Reações vieram em ondas: comentários dizendo “Essa é uma das coisas mais vis que já vi” e outros alertando que seria “Mais uma forma de as pessoas perderem completamente o contato com a realidade e evitarem o processo normal do luto”. A psicóloga Mariana Malvezzi resume um temor central: “A mesma tecnologia que oferece companhia pode gerar confusão entre o real e o simulado, criar dependência afetiva e, em alguns casos, amplificar a angústia”.
O que a Bíblia diz sobre o luto
Jesus não desprezou a dor humana. Ele chorou por Lázaro (João 11) e prometeu consolo: “Felizes os que choram, pois serão consolados.” (Mateus 5:4, NTLH). O Senhor está perto dos que têm o coração ferido e salva os de espírito abatido. (Salmo 34:18, NTLH).
Esses versos lembram que o luto tem um lugar sagrado: o choro não é falha espiritual, mas caminho para o consolo. A fé não promete anular a saudade com artifícios; promete presença verdadeira em meio à perda.
IA que conforta: onde está o limite?
A expressão “grief tech” descreve o uso de ferramentas digitais para replicar alguém que já morreu. A promessa de companhia pela IA que reconstrói vozes e gestos pode ser tentadora. Porém, quando a tecnologia substitui rituais de lembrança, conversa comunitária e o trabalho interno do coração, surge o risco apontado por especialistas: confundir o real com o simulado e criar dependência afetiva.
Não é que toda ajuda tecnológica seja má. Mensagens gravadas, vídeos de memória e celebrações digitais podem sustentar lembranças. Mas a IA que cria “gêmeos digitais” e HoloAvatars — reproduções que interagem como se fossem a pessoa — exige discernimento. A fé nos convida a acolher memória e saudade, não a buscar conveniências que impeçam a cura.
Como viver o luto com fé diante da tecnologia
Primeiro, peça sabedoria a Deus: “Não fiquem tristes. Creiam em Deus e creiam também em mim” (João 14:1, NTLH) não apaga a dor, mas aponta para uma esperança que não depende de imagens perfeitas. A presença de Cristo é mais real e duradoura que qualquer imagem digital.
Segundo, distingua lembrança de substituição. Use recursos digitais para honrar histórias e memórias — fotos, áudios reais, cartas — mas evite que a IA que emula a voz ou o gesto da pessoa seja a única ponte para o passado. A memória precisa ser integrada à vida, não congelada em uma réplica.
Terceiro, mantenha relações humanas. O luto é comunitário: oração compartilhada, escuta e carinho humano sustentam onde um avatar não sustenta. A tecnologia pode amplificar a solidão se substituir o abraço do irmão ou a conversa de um amigo.
Aplicação prática
Permita-se chorar e buscar consolo em Deus. Reserve tempo para recordar com oração, leitura bíblica e partilha com pessoas de confiança. Se considerar usar uma ferramenta como 2Wai ou outra grief tech, faça três perguntas antes: por que quero isso agora? Quem mais participará dessa decisão? Isso me aproxima do processo de cura ou me mantém preso ao passado?
Procure orientação pastoral ou acompanhamento psicológico quando a saudade parecer esmagadora. Lembre-se das palavras do Salmo: “O Senhor está perto dos que têm o coração ferido” (Salmo 34:18, NTLH). A tecnologia pode ser um instrumento; a cura vem do encontro com Deus e com a comunidade que Ele nos dá.
Oração breve: Senhor, acolhe nossa saudade. Dá-nos sabedoria para usar as ferramentas deste tempo sem esquecer que Tu és o consolo verdadeiro. Ensina-nos a lembrar com amor e a viver a esperança que vem de Ti. Amém.

