Prefeitos criticam isolamento de municípios na COP 30 e pedem ação concreta e recursos urgentes
Um abismo entre discurso e prática abriu-se em Belém: enquanto o governo federal reafirma compromisso ambiental em fóruns internacionais, prefeitos e lideranças municipalistas denunciam o isolamento de municípios na COP 30 e a falta de canais reais de participação que permitam às cidades transformar promessas em ações.
O alerta vem da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Em nota e em declarações públicas durante a conferência, a entidade criticou que “O governo federal apresentou uma narrativa robusta de compromisso ambiental e chegou a reforçar a necessidade de mais integração entre União, estados e municípios para enfrentar desafios com as mudanças climáticas. Porém, enquanto cobra ambição da comunidade internacional, falha em construir alicerces institucionais e financeiros que permitiriam às prefeituras – que atuam na linha de frente da crise climática – traduzir esta ambição em ação concreta”, disparou Paulo Ziulkoski, presidente da entidade.
Críticas diretas e dados que não se pode ignorar
A CNM apontou uma “escassez de espaços de diálogo” e afirmou que sua própria presença no evento só ocorreu “por meio de muita insistência e, em grande parte, a partir da boa vontade de instituições privadas”. Para a entidade, essa contradição revela um distanciamento perigoso: “não existirá país sustentável e resiliente se as cidades não se tornarem sustentáveis e resilientes”.
Os números apresentados pela CNM reforçam o diagnóstico: 49% dos gestores municipais desconhecem a COP ou seus impactos para a gestão local. O ano de 2024 registrou recorde de decretações de anormalidade, com perdas acumuladas de R$ 732,2 bilhões entre 2013 e 2024 em 95% das cidades. Outro estudo citado mostra que apenas 12% das administrações contam com Defesa Civil própria, enquanto 67% dependem de apoio financeiro e 56% enfrentam dificuldade para obter assistência técnica.
Impacto prático nas cidades e nos serviços públicos
Para prefeitos, a implementação do Acordo de Paris e outras metas ambientais acontece nos territórios municipais. São as prefeituras que, ano a ano, enfrentam secas, enchentes e perdas econômicas, além de manter serviços essenciais como abastecimento, saúde e transporte. A CNM alertou que discursos sem instrumentos financeiros e institucionais deixam as prefeituras “deixadas à própria sorte”.
As lideranças municipalistas pedem que os compromissos assumidos em Belém se transformem em políticas públicas com o devido financiamento climático no Orçamento Geral da União e não em empréstimos onerosos que a maioria das prefeituras não consegue acessar devido à capacidade de pagamento, segundo Ziulkoski.
Olhar cristão: responsabilidade e cuidado com o território
Na perspectiva cristã, o debate ganha uma dimensão adicional: a gestão do território remete ao princípio bíblico do cuidado com a criação e com o próximo. Em Gênesis 2:15, o ser humano é chamado a guardar e cultivar a criação, e em Mateus 25:40 a responsabilidade pelos mais vulneráveis é apresentada como critério de responsabilidade moral. Assim, para líderes e cidadãos de fé, o isolamento de municípios na COP 30 não é apenas uma falha técnica, mas uma questão ética que diz respeito ao bem comum e à proteção dos mais expostos aos desastres.
Negociações, a Declaração de Belém e os próximos passos
No último dia da conferência, negociadores internacionais tentavam fechar um acordo sobre financiamento climático, metas de redução de emissões e o futuro dos combustíveis fósseis. As discussões estavam travadas em pontos centrais, e a expectativa era de que o documento final, chamado de “Declaração de Belém”, saísse aquém do esperado pelo governo.
Enquanto isso, prefeitos e a CNM fazem um apelo claro: sem mecanismos de participação e recursos direcionados, o Brasil corre o risco de manter uma retórica ambiciosa em fóruns globais sem fortalecer a base municipal necessária para cumprir esses compromissos. Para gestores locais, a exigência é objetiva — é preciso transformar promessas em financiamento, assistência técnica e instrumentos institucionais que protejam cidades e pessoas vulneráveis.
O debate em Belém expõe uma tensão que atravessa política, administração pública e fé: como conciliar compromissos internacionais com a realidade das cidades brasileiras? A resposta passa por ouvir quem está na linha de frente — os prefeitos — e por criar canais efetivos para que o isolamento de municípios na COP 30 deixe de ser parte do problema e passe a ser, de fato, parte da solução.

