PL antifacção: substitutivo de Derrite amplia penas e barra benefícios, mas não resolve o “prende e solta” — CNJ: 41% dos flagrantes são liberados

PL antifacção reforça execução penal e eleva penas, mas deixa intacta a audiência de custódia — entenda por que a medida pode não impedir libertações imediatas

Preocupação e dúvida: muitos brasileiros sentem que a polícia prende e, em seguida, a pessoa volta às ruas rapidamente — o chamado “prende e solta”. O substitutivo ao PL antifacção, apresentado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), promete penas mais duras e regras de progressão mais rígidas, mas deixa de fora o mecanismo onde ocorre a maior parte das liberações imediatas: a audiência de custódia. Isso abre uma pergunta prática e urgente: o projeto combate de verdade o problema do prende e solta?

O projeto reformulado cria o chamado “Marco Legal do Combate ao Crime Organizado Ultraviolento” e altera regras na Lei 12.850/2013, no Código de Processo Penal e na Lei de Execução Penal. Entre as mudanças estão penas que podem chegar a 20 a 40 anos para crimes vinculados ao crime organizado, frente às penas atuais de 3 a 8 anos para organização criminosa e 5 a 15 anos para tráfico.

O que o PL antifacção muda na prática

O substitutivo endurece a execução penal com medidas que visam reduzir a reincidência e dificultar o retorno rápido de condenados às ruas. Entre os pontos centrais estão:

– Penas aumentadas: crimes vinculados a organizações criminosas podem passar a ter sentenças entre 20 e 40 anos.

– Progressão de regime restrita: condenados poderão precisar cumprir entre 70% e 85% da pena para progredir de regime — um patamar bem superior ao que vigora para boa parte dos casos hoje, em que a progressão pode ocorrer quando o réu é primário e tiver cumprido 16% da pena e só chega a 70% em situações específicas.

– Proibições de benefícios: o texto veda livramento condicional para crimes específicos ligados à atuação de organizações criminosas e impede indulto para esses crimes.

– Constrição patrimonial ampliada: instrumentos mais robustos para bloquear e apreender bens, inclusive bens digitais.

O projeto também prevê uso ampliado de presídios federais de máxima segurança para líderes de facções e determina prazos para conclusão de inquérito: 30 dias para réus presos e 90 dias para soltos, prorrogáveis, ressaltando que o descumprimento desses prazos não gera automaticamente liberdade.

Por que o PL antifacção não resolve o “prende e solta” imediato

O ponto central é que o substitutivo não mexe na audiência de custódia, o procedimento em que o preso em flagrante é apresentado a um juiz em até 24 horas para avaliação da legalidade da prisão, de eventuais abusos e da necessidade de prisão preventiva ou medidas cautelares alternativas. É justamente nessa audiência que, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), “41% dos presos em flagrante são liberados nesse ato.”

Como o juiz na custódia não avalia o mérito do crime, mas sim a legalidade da detenção e a necessidade de medidas cautelares, permanece a possibilidade de liberações imediatas mesmo nos casos enquadrados pelo PL. O delegado de ideias e especialistas têm visões distintas: o ex-capitão do Bope Paulo Storani critica o mecanismo e aponta que uma cultura jurídico-garantista favorece decisões que desprezam reincidência e gravidade, afirmando que “criminosos rapidamente retornam às ruas e sequer são monitorados adequadamente”.

Do outro lado, o advogado criminalista Matheus Herren defende a audiência de custódia como instrumento essencial para coibir abusos e ilegalidades, lembrando que, em crimes graves, a prisão preventiva frequentemente é decretada já na audiência, após a manifestação do Ministério Público.

Há ainda barreiras constitucionais: Derrite chegou a cogitar vedar a liberdade provisória, mas não incluiu essa regra no substitutivo por entender que seria inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou inconstitucionais tentativas anteriores de restringir a liberdade provisória — decisões que pesam sobre qualquer alteração legislativa mais dura nesse ponto.

Contexto, dados e vozes do debate

Os números e as declarações públicas ajudam a explicar a frustração de parte da população. O dado do CNJ — 41% dos presos em flagrante são liberados nesse ato — mostra que grande parte das decisões de liberdade provisória ocorre antes mesmo da fase de execução penal que o PL tenta regular com maior rigor.

A advogada Carolina Siebra aponta uma possibilidade legislativa: “Entendo que o Parlamento deveria promover a inclusão da negativa geral de liberdade provisória para criminosos faccionados, para que esse tema volte a ser pautado no STF com a seriedade que o caso exige”. No entanto, já houve decisões do STF limitando leis que tornam mais severas as regras para crimes graves, como nos casos de leis sobre crimes hediondos e de drogas.

Olhar cristão sobre a segurança, a lei e a justiça

Como jornalista cristão, vejo dois imperativos bíblicos que se cruzam neste debate: o chamado à justiça e a ordem social. Romanos 13 lembra que as autoridades foram instituídas para punir os malfeitores; ao mesmo tempo, o povo de Deus é chamado a zelar pela dignidade humana e pelo devido processo. Em Provérbios, a justiça e a proteção dos vulneráveis são temas recorrentes, e isso exige políticas que sejam ao mesmo tempo firmes e justas.

Por isso, a questão prática não é só aumentar penas, mas garantir que o processo e a execução penal funcionem para proteger a sociedade sem negligenciar direitos. Políticas públicas que melhorem investigação, monitoramento eletrônico, eficiência do sistema judiciário e cumprimento de penas podem produzir resultado mais rápido contra o “prende e solta” do que apenas endurecer as penas.

Conclusão: o PL antifacção de Derrite endurece a resposta penal contra facções — com penas de 20 a 40 anos, restrições a benefícios e progressão mais dura —, mas não atua sobre o principal ponto onde muitas liberações imediatas ocorrem: a audiência de custódia. Diante disso, o projeto pode reduzir reincidência no médio e longo prazo, mas provavelmente não resolve no curto prazo a percepção pública de impunidade gerada pelo “prende e solta”.

Para quem busca uma solução prática, a lição é clara: é preciso combinar maior eficácia investigativa, execução penal mais rigorosa e, quando necessário, debate constitucional sobre os limites da liberdade provisória — tudo isso sem perder de vista princípios morais e bíblicos que pedem justiça e proteção às vítimas.

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