Ministério da Justiça alerta que o PL antifacção pode descapitalizar forças federais, limitar direitos e ampliar riscos ao sistema prisional
Um parecer do Ministério da Justiça ao Senado identifica falhas graves no projeto conhecido como PL antifacção e acende um alerta sobre potenciais danos ao combate ao crime e a famílias inocentes.
O documento, enviado ao relator da proposta que deve ser votada na próxima semana, aponta que dispositivos do texto podem descapitalizar as polícias federais, criar normas inconstitucionais e abrir espaço para a criminalização de protestos e movimentos sociais.
O que diz o parecer
Entre as principais críticas está a proposta de dividir bens e valores apreendidos pela Polícia Federal com os estados. O Ministério da Justiça sustenta que recursos de apreensões alimentam fundos essenciais para a atuação da PF, da PRF e das polícias penais e que a redistribuição sem critérios claros pode enfraquecer operações coordenadas contra o crime organizado em território nacional.
Outra preocupação central refere-se à proibição do auxílio‑reclusão para dependentes de presos por crimes de facção. Esse benefício previdenciário é pago à família de baixa renda do detento, não ao preso. O ministério aponta que a medida pode punir inocentes — crianças, cônjuges e dependentes — por atos que não cometeram, argumentando também que a regra tem risco de inconstitucionalidade.
Risco de criminalizar movimentos sociais
O texto cria o crime de “domínio social estruturado” com definições amplas, como ações que “dificultam a circulação de pessoas”. Segundo o parecer, a redação vaga pode ser utilizada para enquadrar manifestações políticas, movimentos sociais e greves legítimas como práticas associadas ao crime organizado.
O ministério sugere que seja incluída uma proteção expressa a protestos e ações sindicais, na linha do que existe na Lei Antiterrorismo, para evitar que direitos fundamentais sejam atingidos por definição imprecisa no PL.
Problemas no regime prisional e procedimentos
O projeto também prevê que líderes de facções cumpram pena em presídios federais de segurança máxima de forma automática. O Ministério da Justiça aponta conflito com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que exige fundamentação concreta para decisões de custódia e transferências, não regras de aparência automática.
O parecer alerta ainda para o risco de superlotação e aumento de custos, uma vez que a ampliação da estrutura federal exigiria verba e gestão adicionais sem garantia de eficiência.
Outros pontos técnicos criticados incluem a criação de novos conceitos, como “organização criminosa ultraviolenta”, que podem conflitar com a lei já vigente sobre organizações criminosas, gerando insegurança jurídica. Há também ressalvas sobre a previsão de audiência de custódia por videoconferência, que, segundo o ministério, poderia contrariar tratados internacionais assinados pelo Brasil que garantem o contato presencial do preso com o juiz.
Em suma, o Ministério da Justiça pede revisões pontuais e urgentes para evitar efeitos colaterais que comprometeriam a atuação integrada das forças de segurança e direitos fundamentais.
O relator recebeu o parecer com sugestões de mudanças e agora cabe ao Senado avaliar o texto antes do voto agendado para a próxima semana.
Para além das críticas técnicas, há um debate político intenso sobre prioridades e estratégias no enfrentamento ao crime organizado, que mistura preocupações com ordem pública, defesa das instituições e direitos sociais.
Do ponto de vista prático, especialistas ouvidos pelo ministério e membros da área de segurança afirmam que a retirada de recursos das polícias federais poderia reduzir investigações transversais e operações que dependem de logística e inteligência centralizada.
Por outro lado, defensores do projeto argumentam que a proposta busca fortalecer a resposta aos crimes de facção em âmbito local e estadual. O impasse revela a necessidade de equilibrar instrumentos legislativos com garantias constitucionais e efeitos operacionais.
Como observação de fé e cidadania, um princípio bíblico recorda a importância da justiça sensível aos frágeis: “A religião pura e sem mácula para com Deus… é visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações” (Tiago 1:27). A referência não pretende doutrinar o debate público, mas sublinha que políticas de segurança também precisam considerar os impactos sobre famílias vulneráveis.
Analistas recomendam que o Senado aproveite o debate técnico proposto pelo Ministério da Justiça, aperfeiçoe definições legais e adote salvaguardas para evitar efeitos indesejados, como a punição de dependentes e a insegurança jurídica.
O voto decisivo que se aproxima exige equilíbrio entre o combate ao crime organizado e a proteção de direitos. Se o texto seguir sem ajustes, especialistas temem retrocessos operacionais e jurídicos; se for aprimorado, pode conciliar ação policial eficaz com garantias constitucionais.
O clima entre parlamentares é de pressão política, e a decisão do Senado terá repercussão direta sobre o desenho das políticas de segurança nos próximos anos. A expectativa agora é por emendas que respondam aos pontos levantados pelo Ministério e por um debate público qualificado antes da votação final.

