Em encontro com a CNBB, Jorge Messias reafirmou posição contrária ao aborto enquanto são reavivadas polêmicas sobre competência do CFM
Uma declaração curta e direta reacende tensão entre Igreja, Governo e Congresso.
O encontro e as falas
O advogado-geral da União, Jorge Messias, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Supremo Tribunal Federal, reuniu-se nesta quinta-feira (27) na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília.
Participaram da reunião o cardeal arcebispo de Porto Alegre, Dom Jaime Spengler, e o bispo auxiliar de Brasília, Dom Ricardo Hoepers. A CNBB classificou o encontro como “visita de cortesia” e afirmou que “foram abordados diversos temas ligados ao atual contexto religioso, socioambiental, político e cultural do país.”
Segundo reportagem do jornal O Globo, durante o encontro Messias “se manifestou contrário ao aborto”, sinalizando adesão à visão concepcionista, que considera o início da vida a partir da fecundação.
O parecer da AGU e a polêmica sobre assistolia fetal
Após a indicação, a oposição recuperou um parecer da AGU assinado por Messias quando ocupava o cargo, que pedia ao STF a declaração de inconstitucionalidade de uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que vetava o procedimento conhecido como assistolia fetal.
Messias sustentou no parecer que o tema deve ser objeto de lei, e não de norma do conselho, argumentando que o CFM não teria competência para regulamentar a prática. A assistolia fetal, recomendada pela Organização Mundial da Saúde em determinados casos, consiste na injeção de cloreto de potássio no feto para interromper seus batimentos cardíacos, utilizada em abortos a partir de 20 semanas de gestação.
A posição gerou reação imediata de parlamentares. O deputado Maurício Marcon (Podemos-RS) criticou duramente: “O AGU de Lula defende matar um bebê com uma agulha no coração, mesmo que este esteja já com 9 meses. Além de AGU é o indicado do presidente ao STF, e tem quem jure que ele é um cristão!”
Contexto político e a sabatina no Senado
A indicação de Messias ao STF tem provocado atrito entre membros do Executivo e do Legislativo. A tensão aumentou após episódios envolvendo o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o senador Rodrigo Pacheco.
Messias, em entrevista ao Valor Econômico, disse esperar uma reunião com Pacheco e elogiou a atuação do parlamentar: a atuação do parlamentar “sempre foi pautada pelo espírito público”. Em nota, Messias também afirmou: “Até o último dia, trabalharei incansavelmente para encontrar a totalidade dos senadores, obedecendo aos princípios da democracia e das instituições republicanas.”
Alcolumbre programou a sabatina para 10 de dezembro, em um calendário enxuto que aumenta a pressão para que Messias obtenha ao menos 41 dos 81 votos necessários à sua confirmação.
Análise: repercussões jurídicas e sociais
A posição pública de um indicado ao STF sobre um tema sensível como o aborto tem efeito imediato no debate público e político. Mesmo que uma indicação não determine, por si só, decisões judiciais futuras, ela serve como sinal sobre interpretações jurídicas que poderão ganhar força na Corte.
Messias busca conciliar aparência de diálogo institucional — o encontro com a CNBB foi tratado como cortesia — com a defesa de posições jurídicas já manifestadas pela AGU. Para críticos, a contradição entre condenar o aborto em audiência religiosa e ter assinado pareceres que questionam limites de conselhos técnicos alimenta dúvidas sobre posições pragmáticas e normativas.
Do ponto de vista institucional, a discussão central é se matérias como a assistolia fetal devem ser reguladas por lei federal ou por normas de conselhos profissionais. A resposta afetará não só a prática médica, mas o modo como o Judiciário e o Legislativo irão distribuir competências em temas bioéticos.
Para setores religiosos, a reafirmação concepcionista atrai apoio; para setores laicos e feministas, as decisões sobre direitos reprodutivos e protocolos médicos voltam a ser terreno de disputa.
Conexão bíblica breve: uma referência recorrente no debate é o Salmo 139, que fala da formação no ventre, lembrando como questões sobre vida e dignidade têm também dimensões morais e religiosas no país.
Na reta final antes da sabatina, Messias tem procurado demonstrar equilíbrio institucional. Resta saber se os senadores entenderão suas declarações como expressão de convicção pessoal ou como indicativo de como votaria em casos concretos no STF.
O desfecho político da sabatina e a postura dos partidos definirão se a indicação avançará sem desgastes maiores ou se a controvérsia em torno do aborto e das competências do CFM continuará dominando o debate público.

