Medo da polícia de Trump faz 1 em cada 5 imigrantes repensar o sonho americano; brasileiros relatam apreensão e retornos

O medo de operações migratórias vinculadas à administração Trump tem levado muitos brasileiros a interromper a jornada nos EUA. Relatos de quem volta e dados de pesquisa mostram que a sensação de insegurança — mesmo entre quem tem documentos — pesa tanto quanto fatores econômicos e familiares.

Decisões aceleradas por temor e necessidade

Silvia Santos, que mora em Sarasota (Flórida), tomou a decisão de voltar ao Maranhão em dezembro. Além da saúde gravíssima da mãe, ela cita o receio de abordagens da imigração como fator decisivo.

Silvia trabalhava com entregas e descreve o esforço para manter a família: “A gente vive para pagar conta. Não sobra”. Mesmo com Social Security e permissão de trabalho, diz: “A gente já viu gente sendo deportada mesmo com processo em andamento. Eu não me vejo tão segura, sabe? Nesse momento, eu não ficaria ilegal aqui. Eu acredito que não vale a pena.”

Relatos que se repetem

O caso de Geovanne Danioti, que chegou aos EUA em 2022 e decidiu voltar com a família no início de dezembro, reforça o padrão. Com visto expirado, ele descreve viver em tensão constante: “Eu saio de casa com medo. Vou só do trabalho para casa. Aqui onde eu moro você só vê carro do ICE. Todo dia prendem cinco ou seis pessoas”.

Geovanne conta que a prisão e deportação de um colega durante uma audiência por infração de trânsito foi o ponto de virada. Para ele, preservar a guarda dos filhos, cidadãos americanos, e evitar traumas levou à escolha de regressar ao Brasil temporariamente: “A gente não quer que nossos filhos passem por isso. Vamos resolver tudo no Brasil e, quando estiver legal, voltamos no ano que vem. Começo de 2027 no máximo.”

Dados que confirmam o receio

Pesquisa da KFF em parceria com o The New York Times, divulgada em novembro, mostra que um em cada cinco imigrantes afirma conhecer alguém que foi preso, detido ou deportado desde janeiro. O estudo também revela que quatro em cada dez temem que eles próprios ou familiares possam se tornar alvo de operações do ICE.

O Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS) estima que cerca de 1,6 milhão de pessoas solicitaram autodeportação ao longo deste ano, um mecanismo usado por quem teme detenção antes de regularizar a situação. No Brasil, o Itamaraty registrou cinco repatriações em 2024, e dados de 2025 ainda estão em processamento.

Entre economia, medo e laços familiares

Além do receio das batidas, questões práticas pesam. Silvia cita orçamento apertado, falta de rede de apoio e o desgaste emocional de trabalhar sem descanso: “Minha filha não tem infância aqui”. Para muitos, o retorno é uma soma de riscos e perdas: risco de separação familiar em uma abordagem, custo de vida alto e o esgotamento emocional.

Ao mesmo tempo, a pesquisa mostra que o mito do sonho americano persiste: cerca de 70% afirmaram que, se pudessem voltar no tempo, migrariam novamente para os EUA — ainda que agora com outra perspectiva.

Há ainda estratégias alternativas: alguns imigrantes optam por se deslocar internamente dentro dos EUA para estados onde a atuação do ICE é percebida como menos intensa, ganhando tempo para tentar regularizar a situação e proteger filhos nascidos no país.

Impactos sociais e uma perspectiva cristã moderada

O fenômeno tem efeitos locais: comunidades de imigrantes perdem mão de obra em setores como construção, limpeza e delivery, e famílias são reconstruídas à distância. Para muitos cristãos migrantes, a proteção da família e a busca por dignidade no trabalho são motivadores fortes das decisões.

Na tradição cristã, há também uma referência que muitos mencionam nas conversas cotidianas — a ideia de cuidado mútuo e refúgio presente em textos como o Salmo 91 — que se traduz em escolhas práticas de proteção à família. Não se trata de discurso moralizante: é uma decisão concreta diante de medo e vulnerabilidade.

O cenário político altera não só fluxos migratórios, mas a vida cotidiana: pessoas evitam atividades fora de casa, mudam rotas e prioridades, e reavaliam a relação entre oportunidades econômicas e segurança familiar.

Especialistas ouvidos por veículos internacionais destacam que políticas e operações de fronteira têm efeito direto sobre a sensação de pertencimento e sobre decisões que misturam razão e afeto. Para muitos brasileiros, o retorno não é uma derrota definitiva, mas uma pausa estratégica — um ajuste para preservar vínculos e tentar recomeçar com menos risco.

Enquanto isso, famílias como a de Silvia e Geovanne mostram que a escolha de voltar é multifacetada: envolve medo das operações, laços familiares, saúde, economia e um desejo central — que muitos cristãos e não cristãos compartilham — de proteger os filhos e oferecer-lhes uma infância mais tranquila.

Reportagem com base em entrevistas e em levantamentos da KFF/The New York Times e dados do Departamento de Segurança Interna dos EUA e do Itamaraty.

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