Um chamado à ação cultural que divide opinião entre mobilização popular e politização: o que está em jogo?
Uma “guerrilha democrática” cultural foi a expressão usada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao apresentar o novo Plano Nacional de Cultura, provocando dúvidas e preocupação entre parte do público cristão sobre a natureza política da ação cultural proposta. A imagem de uma mobilização de base, intensa e contestadora, levanta questões sobre liberdade, participação e o papel das igrejas na sociedade.
O fato é objetivo: na segunda-feira (17), em cerimônia no Palácio do Planalto, o governo enviou ao Congresso o novo Plano Nacional de Cultura (PNC), elaborado pelo Ministério da Cultura, que, segundo o Executivo, orientará as políticas culturais do país pelos próximos dez anos.
O que foi anunciado — decisões e palavras oficiais
O evento contou com a presença de cerca de 600 agentes territoriais e representantes dos comitês de cultura de todo o Brasil, integrantes do Programa Nacional dos Comitês de Cultura (PNCC), que simbolizam a participação popular na elaboração de políticas culturais.
Ao defender uma cultura “revolucionária” e com ampla participação social, Lula disse: “Ao invés de ter aquelas coisas muito encalacradas, muito fechadas, aquelas redomas onde tudo funciona certinho, devemos ter uma espécie de guerrilha democrática cultural nesse país, onde as pessoas precisam ter a liberdade de fazer e de provocar”, segundo transcrição da Agência Brasil.
Em outro trecho, convocando agentes culturais a se tornarem atores políticos, o presidente afirmou: “Estou, na verdade, convocando vocês para serem mais do que agentes culturais dos comitês de cultura. Vocês têm que ser a base da conscientização, da politização de uma nova sociedade que precisamos criar para romper definitivamente com o negacionismo e o fascismo” (Agência Brasil).
O secretário-executivo do MinC, Márcio Tavares, especificou a estrutura do plano: o plano é composto por oito princípios e 21 diretrizes. Ele também ressaltou o enfoque nos direitos culturais: “Ele está na Constituição e, agora, é organizado pelo plano, que afirma o direito de todas as pessoas ao acesso e à produção cultural, à arte e à liberdade de criar e se expressar sem qualquer tipo de censura, à memória e ao patrimônio, aos saberes e fazeres tradicionais, à participação, à acessibilidade e, aos criadores, aos direitos autorais e à remuneração justa pelo seu trabalho” (Agência Brasil).
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, comparou a articulação federativa prevista no PNC ao sistema de saúde pública: “Será o nosso SUS da cultura, amarrando as responsabilidades das cidades, dos estados e do governo federal com o setor cultural. Essa articulação é muito importante, já necessária há muito tempo para que a gente consiga efetivar e materializar a força que tem a cultura brasileira” (Agência Brasil).
Na mesma cerimônia, Lula assinou o decreto que cria a Comissão Intergestores Tripartite, que acompanhará a execução do orçamento da cultura e será a instância permanente de diálogo entre União, estados e municípios para a implementação das políticas públicas do setor.
Contexto e implicações políticas
O Plano Nacional de Cultura quer consolidar a cultura como movimento de base e popular, com instrumentos de participação e articulação federativa. Para muitos, a proposta amplia o acesso e fortalece matrizes culturais diversas — especialmente ao reconhecer matrizes indígenas e afro-brasileiras, e ao buscar eliminar barreiras de acesso.
Para outros, sobretudo entre grupos religiosos e setores preocupados com neutralidade institucional, o alerta é sobre a linguagem de mobilização e politização. A convocação para que agentes culturais atuem como “base da conscientização” e de “politização” pode ser vista como um convite à atuação partidária nos territórios culturais, o que tende a gerar debates acalorados no Congresso e na sociedade.
O olhar cristão: como ler esse momento à luz da fé
Cristãos que acompanham política e cultura podem interpretar o chamado à participação de duas formas complementares: primeiro, como oportunidade de defender valores éticos, proteção à liberdade de expressão e proteção aos direitos dos artistas; segundo, como chamado à vigilância pública sobre eventuais usos partidários de recursos e espaços culturais.
A Bíblia incentiva os crentes a influenciar a sociedade com sabedoria e integridade. Textos como Romanos 12:2 (“Não vos conformeis com este mundo…”) e Mateus 5:13-16 (ser sal e luz) servem de referência para quem deseja atuar no ambiente cultural sem perder a identidade de fé — participando de debates e defendendo a liberdade de consciência sem adotar uma postura de confrontação gratuita.
Próximos passos e como acompanhar
O Plano agora segue para análise do Congresso Nacional, onde pontos como fontes de financiamento, papel da Comissão Intergestores Tripartite e limites entre participação social e ação política serão discutidos. É provável que surjam propostas de emenda e condicionamentos orçamentários.
Cidadãos, lideranças religiosas e agentes culturais podem acompanhar as audiências públicas, os debates nos conselhos municipais e estaduais de cultura e as movimentações dos comitês de cultura. Para quem deseja agir de forma responsável, recomendar-se:
– Informar-se sobre o texto final do Plano e das 21 diretrizes; – Participar de conselhos e audiências locais; – Exigir transparência na execução dos recursos e na atuação da Comissão Intergestores Tripartite.
Em um momento de tensões políticas e culturais, a recomendação é buscar diálogo, promover a justiça e a liberdade de expressão, e acompanhar com atenção a tramitação no Congresso — sem perder de vista que a cultura molda corações e consciências, e por isso merece participação responsável e crítica.

