A ação de Ismael Lopes em uma vigília por Jair Bolsonaro gerou confronto e revelou conexões com a primeira-dama Janja, o governo e o chamado ‘Conselhão’.
Uma vigília convocada para orar pela saúde e liberdade de Jair Bolsonaro terminou em tumulto quando um homem identificado como Ismael Lopes, 34 anos, subiu ao púlpito e fez um discurso provocador que levou sua expulsão e escolta policial. O episódio levanta questões sobre instrumentalização da fé, militância política dentro de espaços religiosos e as fronteiras entre ativismo e liturgia pública.
O episódio na vigília
Na noite de sábado (22), durante uma vigília em favor de Bolsonaro, Ismael Lopes conseguiu o microfone ao se apresentar como representante de um movimento evangélico e fez um discurso que citou uma passagem bíblica sobre quem “cava covas por elas será engolido”. Em ato de confronto, também pediu que o ex-presidente fosse condenado por ter “aberto 700 mil covas na pandemia”. Após a fala, Lopes foi expulso do evento e precisou ser escoltado pela polícia.
Questionado sobre sua presença, ele disse: “Vim aqui [na vigília] para tentar fazer uma fala baseada na palavra de Deus, para acabar com a instrumentalização da fé que eles [bolsonaristas] fazem”. A justificativa revela a intenção deliberada de provocar debate no ambiente religioso, ainda que com risco pessoal.
Quem é Ismael Lopes: formação, militância e laços institucionais
Ismael Lopes, conhecido nas redes como “Irmão Isma”, é evangélico, formado em Teologia, natural do Rio de Janeiro e mora em Brasília há cerca de três anos. Nas suas contas públicas ele se identifica como “comunista” e “radical de esquerda” e exibe símbolos marxistas — a imagem de capa de seu Facebook traz ilustrações de Marx, Lenin, Stalin e Mao.
Ele é membro do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e tem posições públicas contundentes: em postagem fixada escreveu exatamente “Amor ao próximo só é possível com ódio de classe”.
Além das posturas ideológicas, Lopes ocupa posições institucionais que aproximam sua atuação do governo. Entre agosto de 2023 e janeiro de 2024, ele foi ocupante de um cargo comissionado como coordenador no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos. Também integra o Conselho de Participação Social da Presidência da República, o chamado “Conselhão”, e aparece em registros de reuniões com lideranças do Planalto, como Gleisi Hoffmann, Anielle Franco e Márcio Macêdo.
Uma das conexões mais divulgadas é com a primeira-dama: Ismael Lopes figura como um dos coordenadores da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, grupo que organiza encontros da primeira-dama Janja com evangélicos em diversos estados. O coletivo chegou a publicar uma postagem comemorando a indicação do petista e batista Jorge Messias para o STF, chamando-o de “irmão em Cristo”.
Rede política e teologia aplicada
Lopes também transita entre lideranças do PSOL e do campo de esquerda. Já fez campanha para Marcelo Freixo e declarou apoio público ao deputado Glauber Braga. Sobre o jejum de Braga, explicou sua interpretação religiosa no espaço público com a frase exata: “O jejum que Deus pede é o jejum que o Glauber está fazendo”, relacionando ação política e missão espiritual.
Seus posicionamentos mostram como ele mistura linguagem religiosa e militância ideológica, estratégia que funciona tanto para mobilizar bases quanto para provocar adversários, como ocorreu na vigília pró-Bolsonaro.
Significado para igrejas, fé e política
O caso de Ismael Lopes põe em evidência três tensões relevantes para o Brasil atual: a disputa pelo uso público da fé, a presença de militantes identificados em atos religiosos e a relação entre políticas públicas e ativismo confessionário. Para muitos fiéis e líderes religiosos, a vigília religiosa é um espaço de consolo e oração, não de confronto político. Para outros movimentos, esse tipo de provocação é tática de denúncia.
No plano prático, o episódio deve acender um alerta nas lideranças evangélicas sobre checagem de representatividade em eventos e sobre a fragilidade dos espaços públicos quando se confundem oração e ação política explícita.
Leitura bíblica breve
A referência bíblica usada por Lopes — que remete à ideia de que quem “cava covas” pode ser engolido por sua própria armadilha — encontra paralelo em passagens como Salmos 7:15-16, que fala da armadilha que se volta contra quem a prepara. Essa imagem pode ser interpretada, na perspectiva cristã, como um alerta contra a violência e a injustiça que se retroalimentam.
Ao mesmo tempo, o uso de textos sagrados em contextos de confronto político exige cautela: a Bíblia é frequentemente invocada para legitimar posições contraditórias, e líderes e fiéis precisam discernir quando a palavra de Deus é usada para construir paz ou para alimentar divisões.
O episódio envolvendo Ismael Lopes não encerra o debate sobre fé e política no Brasil. Pelo contrário: acende questões sobre transparência, representatividade e os limites éticos da atuação pública de quem se apresenta como líder religioso. Para igrejas e comunidades, resta decidir como preservar espaços de devoção sem ignorar a responsabilidade cívica e social que a fé também exige.
Fontes consultadas: reportagens e perfis públicos que apontam ser Ismael Lopes um evangélico de 34 anos, membro do PCBR, coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, com passagem por cargo comissionado no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (ago/2023 a jan/2024), participação no Conselho de Participação Social da Presidência e envolvimento em encontros associados à primeira-dama Janja. Citações textuais: “Vim aqui [na vigília] para tentar fazer uma fala baseada na palavra de Deus, para acabar com a instrumentalização da fé que eles [bolsonaristas] fazem”; “Amor ao próximo só é possível com ódio de classe”; pedido para que Bolsonaro seja condenado por ter “aberto 700 mil covas na pandemia”.

