Haddad chama risco de ‘delírio’, mas R$337 bi fora da meta e dívida em 78,1% do PIB mostram risco real da crise fiscal no Brasil

Análise: crise fiscal e as contas do governo à luz da fé e da responsabilidade

Há calma no discurso, mas tensão nas contas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem defendido que não há motivo para alarme, citando desempenho econômico e prometendo “o melhor resultado fiscal do país em quatro anos, mesmo pagando tudo o que não se pagou de calote do governo anterior”. Ainda assim, especialistas e dados oficiais apontam maneiros contábeis que podem esconder um risco fiscal real e crescente.

Haddad chegou a afirmar que, diante das análises, a ideia de que o país enfrenta uma crise fiscal “é um delírio” e disse: “Isso é um delírio que eu preciso entender do ponto de vista psicológico, porque, do ponto de vista econômico, eu não consigo entender“. Essa posição contrasta com alertas de economistas, ex-integrantes do governo e relatórios técnicos que mostram que o problema pode estar sendo empurrado para fora da fotografia oficial.

Como o governo tem “fechado as contas”

Para apresentar números mais favoráveis, o governo recorre a pelo menos três estratégias que preocupam analistas: afrouxamento da meta, exclusão de despesas do cálculo fiscal e uso do chamado empoçamento (recursos liberados e não gastos pelos ministérios).

Sobre a meta, embora Haddad tenha dito que os objetivos foram mantidos, a meta de 2025 foi reduzida em abril de 2024 — sete meses após aprovação do arcabouço fiscal —, passando de superávit de 0,5% do PIB para déficit zero. Além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a questionar a Fazenda por mirar “o limite inferior da meta” (déficit de até 0,25% do PIB) quando deveria mirar o centro, 0% do PIB. Após embate público, o TCU suspendeu a orientação.

Relatório de outubro da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, calculou que, para garantir o limite inferior e encerrar o ano com déficit de R$ 31 bilhões (dentro do limite de 0,25% do PIB), “o governo ainda precisa cortar ou arrecadar R$ 27 bilhões“.

Outra prática apontada pela imprensa e por economistas é excluir gastos do cálculo da meta. Desde o início do terceiro mandato, as despesas mantidas fora do limite oficial somam R$ 337 bilhões, e a projeção é que alcancem R$ 400 bilhões até 2026. Essas despesas não contam para a meta, mas entram na conta da dívida pública — ou seja, podem mascarar o tamanho real do déficit.

O avanço da dívida e seus efeitos práticos

O avanço da dívida pública é um dos itens centrais da preocupação. Historicamente, a dívida pública atingiu 87,7% do PIB em outubro de 2020, por causa dos gastos com a pandemia, e recuou em 2021 e 2022 (77,3% e 71,7% do PIB, respectivamente). Desde o início do terceiro governo Lula, porém, a razão dívida/PIB voltou a subir: em setembro deste ano chegou a 78,1% do PIB, segundo o Banco Central. Para o Fundo Monetário Internacional, com outra metodologia, a razão dívida/PIB do Brasil está em 90,5%.

O crescimento da dívida tem efeitos diretos sobre inflação e juros. O pesquisador Rafael Bastos (FGV Ibre) explica que o aumento de gastos injeta demanda na economia, pressionando preços. O Banco Central, então, precisa usar a taxa de juros para ancorar a inflação. Com inflação acumulada de 12 meses em 4,68% e meta de 3%, o Copom manteve a Selic em 15% ao ano e sinalizou mantê-la elevada. O presidente do Banco Central resumiu: “Todo mundo pode brigar com o Banco Central. O Banco Central é que não pode brigar com os dados“.

Em reação, Haddad disse que os juros deveriam cair: “Não tem como sustentar 10% de juros reais com inflação de 4,5%” e defendeu que é possível reduzir a dívida pagando menos juros. Mas, na prática, a credibilidade do ajuste fiscal e da regra é condição para reduzir o prêmio de risco e, com isso, os juros cobrados do Tesouro.

Crise fiscal: delírio retórico ou risco real?

Para alguns economistas, como Marcos Lisboa (ex-secretário de Política Econômica), o arcabouço fiscal aprovado já nasceria com problemas estruturais: ao vincular despesas à arrecadação, toda subida de receita tende a puxar mais gastos, sem comprimir as despesas discricionárias. Lisboa afirmou que o déficit primário divulgado pelo governo “está distante do déficit real” e que “você está usando truques para dizer que está com o arcabouço, quando, na verdade, está muito distante“.

Do ponto de vista técnico, há dois riscos principais: 1) subestimar o déficit real por excluir despesas do limite; 2) permitir que a dívida cresça a ponto de aumentar o custo de financiamento do Estado, elevando juros e criando um ciclo vicioso de mais dívida e mais juros.

Leitura cristã: verdade, administração e responsabilidade

Para leitores de fé, a questão fiscal pode ser vista também como um desafio moral de administração e transparência. A Bíblia traz princípios que ajudam a avaliar a situação: Jesus relaciona fidelidade na administração com confiança maior (cf. Lucas 16:10-12), e a importância da verdade aparece em declarações como “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32). Essas referências não são sermões, mas lentes éticas para cobrar clareza e responsabilidade das autoridades públicas.

Uma nação próspera exige gestores que prestem contas com honestidade, planejamento e prudência. Disfarçar problemas fiscais por meio de contabilidade criativa ou exclusões contábeis pode até adiar o choque, mas não elimina a necessidade de ajustes sustentáveis e críveis.

O que observar para 2026

O horizonte eleitoral e a LDO de 2026 já mostram tensões: a proposta aponta fragilidades, com previsões de que em 2027 não haverá recursos suficientes para cobrir os gastos. Arranjos como a Emenda Constitucional 136, que retirou o pagamento dos precatórios da meta fiscal, resolvem temporariamente, mas dificilmente constituem solução de longo prazo.

Especialistas esperam que, a curto prazo, haja repactuação da regra fiscal — seja por mudança política, seja por negociação técnica — porque, nas palavras de Rafael Bastos, “o arcabouço, da forma como está, não é sustentável nem crível“. Para reduzir juros e estabilizar a dívida será necessário um ajuste com credibilidade, capaz de recuperar a confiança dos mercados.

Enquanto isso, a sociedade e as comunidades de fé têm papel importante ao exigir transparência, debate público honesto e políticas que considerem tanto o curto quanto o longo prazo. A pergunta que fica é prática e ética: estamos preferindo a tranquilidade das aparências ou a coragem das reformas que preservem o bem comum no futuro?

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