Gatonet: operação 404 retirou serviços piratas do ar e apura se há ligação com crime organizado
Uma operação nacional contra o chamado Gatonet deixou em evidência uma nova frente do crime: a oferta massiva de streaming pirata coordenada por estruturas que operam também na deep web.
Como a polícia localizou as centrais
Autoridades afirmam que a investigação combinou técnicas tradicionais e trabalho dentro do submundo digital. Dados divulgados por integrantes dos esquemas foram utilizados para mapear centrais de operação, além da busca por endereços de IP dos sites — o chamado RG do servidor — como ponto de partida para localizar fisicamente os dispositivos.
Rodney da Silva, diretor de Operações e de Inteligência (Diopi) do Ministério da Justiça, disse ao g1: “Por óbvio, a polícia trabalha dentro do submundo do crime digital, a deep web, dark web [a parte anônima da internet], no sentido de identificar a venda desses produtos”. Em casos prosaicos, criminosos chegaram a deixar números de telefone e contas bancárias para contato, o que facilitou ações de identificação: “Tudo isso serve para a Polícia identificar os criminosos”.
O que a operação encontrou
A oitava fase da Operação 404, realizada em 27 de dezembro, derrubou 535 sites e 1 aplicativo de streaming, segundo a força‑tarefa coordenada pelo Ministério da Justiça. A mobilização envolveu Polícias Civis de 15 estados e a colaboração de agências internacionais — Argentina, Equador, Paraguai, Peru e Reino Unido — além de órgãos federais como Anatel e Ancine.
Após cruzar informações, foram cumpridos 44 mandados de busca e apreensão, realizadas 4 prisões preventivas e 3 prisões em flagrante. Em São Paulo, dois homens foram detidos por operação ilegal de streaming e canais por assinatura; as centrais foram encerradas e apreendidos dois computadores e dois celulares.
A avaliação preliminar é de que a oferta de serviços é altamente lucrativa e pode se enquadrar como crime organizado. Conforme destacou Rodney: “O que está acontecendo é uma migração natural do crime organizado para o crime digital. Então, nesse caso, o cara não vai usar arma, ele está usando equipamentos de informática”. Ele acrescentou que “A conexão [do esquema] com eventuais facções criminosas, as mais conhecidas, ainda está sendo apurada nos inquéritos”.
Contexto e desafios
O combate a esse tipo de pirataria envolve desafios técnicos e legais. Servidores em países diversos, serviços operando com anonimato e o uso de plataformas de distribuição em massa tornam a investigação complexa e dependente de cooperação internacional.
Especialistas citam ainda a facilidade de monetização: assinaturas, publicidade e transações via contas bancárias ou intermediários dão escala ao esquema. Para as autoridades, entender a cadeia financeira é crucial para identificar líderes e estruturas por trás das operações.
Do ponto de vista do consumidor, há risco e responsabilidade. Com os serviços fora do ar, muitos clientes recorreram a canais como ReclameAqui. O Procon‑SP lembrou que o consumidor que adquire um serviço irregular assume riscos e abdica de certas proteções legais.
A Anatel orienta que usuários prefiram TV boxes e equipamentos certificados para evitar vulnerabilidades e práticas ilícitas, reforçando que a certificação é importante para segurança técnica e jurídica.
Paralelamente, a operação 404 é independente de outra ação recente na Argentina, que também derrubou aplicativos usados em TV boxes. A referência ao erro 404 dá nome à operação e simboliza a retirada de páginas e serviços do ar.
Do ponto de vista policial, juntar pistas da deep web com dados expostos pelos próprios criminosos — como contatos e comprovantes de pagamento — tem sido uma tática eficiente para acelerar a identificação e a prisão de envolvidos.
A investigação segue em curso, com inquéritos estaduais apurando vínculos com outras organizações e a extensão do esquema. Autoridades deixam claro que faltam detalhes sobre a estrutura completa e que novas fases podem ocorrer à medida que avanços nas perícias e cooperação internacional apontem outros alvos.
Para o cidadão, o recado é duplo: evitar serviços ilegais e denunciar irregularidades, e exigir aparelhos certificados. Para o poder público, a operação evidencia a necessidade de investimentos em inteligência digital e em mecanismos que acompanhem a migração do crime para o ambiente online.
Em um registro breve de fé e responsabilidade social, vale lembrar a advertência sobre honestidade: “O justo fala com retidão, mas o coração dos perversos fala com falsidade” (Provérbios 12:17), um convite à defesa da lei e do bem comum sem celeuma.
As próximas etapas das investigações deverão esclarecer se grupos tradicionais do crime organizado controlavam a oferta de serviços piratas ou se houve apenas cooptação de atores digitais. Enquanto isso, a operação deixou claro que a luta contra a pirataria hoje passa também por domínios antes vistos como distantes da polícia.

