Disputa por talentos em IA no Brasil pressiona salários, benefícios e participação em startups

Empresas brasileiras reduzem exigência de presença, pagam em dólar e oferecem participação para reter profissionais de IA

A corrida por especialistas em IA gerou um nó imediato: onde encontrar quem construa e integre as novas ferramentas?

O que está acontecendo

Desde o surgimento da IA generativa, com a popularização do ChatGPT, a procura por profissionais capazes de implantar modelos e criar soluções práticas explodiu. “o ChatGPT já soma 800 milhões de usuários”, nota a mudança de escala do uso dessas tecnologias.

Engenheiros de inteligência artificial têm sido assediados por recrutadores com ofertas frequentes e generosas. Luís Henrique Martins, engenheiro sênior de IA, diz: “São dezenas mensalmente, com excelentes oportunidades”. Em alguns casos, empresas chegam a oferecer fatia societária — uma vantagem rara, mas decisiva para profissionais estratégicos.

Por que importa agora

Vivemos um ponto de inflexão: companhias de variados setores precisam integrar IA a produtos e processos, mas há escassez de experiência. O recrutador Jonathan Yung alerta: “Está muito difícil achar engenheiro de IA. Primeiro, você aborda. Poucos respondem. Os que respondem já estão em mais uma ou outras duas vagas”. Ele completa: “Você pode dizer que isso é uma bolha, correto. Mas as empresas estão dispostas a pagar”.

O resultado prático é a elevação da remuneração e a oferta de benefícios não tradicionais, como trabalho remoto, flexibilidade e participação societária.

Como as empresas estão reagindo

Algumas contratam talentos mesmo sem experiência plena e investem em formação interna. Mariangela Cifelli resume a alternativa: “A gente precisa fazer escolhas. Ou vai pagar um salário bem alto para uma pessoa mais robusta ou vai dar oportunidade para quem tem interesse e a prática pessoal e desenvolver essa pessoa”.

Empresas maiores também direcionam verbas para capacitação. Raphael Bozza, do iFood, diz que a companhia tem um orçamento para o “plano de desenvolvimento individual” e que “80% dessa verba está direcionada para capacitações em IA”. Na Cloudwalk, Gabriel Bernal afirma: “Muito do que a gente construiu aqui dentro foi com o conhecimento que a gente já tem”, e diz que a empresa elevou o salário de entrada para R$ 7 mil, chegando a R$ 10 mil com benefícios e contratação CLT.

Riscos e efeitos sobre a rotina

A maior oferta também abre caminhos para arranjos atípicos. Há relatos de profissionais acumulando posições e jornadas longas. Robson Júnior, que mantém dois empregos, conta: “É difícil, mas no fim é bom, porque eu consigo conciliar os dois. Essa é a realidade hoje no Brasil para os desenvolvedores, de carga de trabalho de mais de 12 horas, por conta das diferentes oportunidades que surgem o tempo inteiro”.

Além do volume de trabalho, há a pressão de processos seletivos longo e exigente: segundo Martins, são “longos, com cinco ou mais fases, o que requer muito estudo e dedicação”. Para quem domina inglês, uma saída é trabalhar para empresas estrangeiras: Martins afirma que, em suas propostas, “uma em cada quatro é para ‘receber em dólar remotamente, e em ótimas empresas'”.

Essas dinâmicas mudam a relação entre empregador e empregado e amplificam a fuga de talentos para contratos em dólar ou posições remotas.

Análise e perspectiva

O mercado brasileiro tende a seguir duas frentes: quem já tem experiência continuará sendo disputado com salários e condições superiores; empresas que não conseguem competir financeiramente apostarão em formação interna e propósito — vender a ideia de impacto social, saúde ou inovação — como diferencial.

A competição internacional também pressiona. Como observa Vanessa Cobas: “Já é difícil encontrar esses profissionais com experiência. Quando a gente consegue achar, essas pessoas estão trabalhando para fora”. Fatores como fuso horário favorável e custos mais baixos tornam o Brasil alvo para contratações remotas por empresas estrangeiras.

Para profissionais e líderes, a recomendação prática é clara: investir em aprendizado, documentar projetos e negociar condições além do salário — flexibilidade, desenvolvimento e participação podem pesar tanto quanto a remuneração imediata.

Em tom de breve reflexão, a Escritura lembra que o talento e o trabalho chamam atenção: “O homem diligente será posto diante de reis” (Provérbios 22:29, conceito resumido). Isso não reduz os riscos, mas aponta que preparo e responsabilidade continuam sendo bens essenciais.

O mercado vai se ajustar, mas, no curto prazo, a disputa por quem constrói a IA seguirá ditando salário, modelos de contratação e a transformação do ambiente de trabalho no Brasil.

Empresas, universidades e políticas públicas enfrentam o mesmo desafio: formar rapidamente profissionais capazes de traduzir modelos em soluções concretas, sem que a pressa comprometa condições justas de trabalho.

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