A mentira como instrumento de poder no Brasil: 7 lições de Solzhenitsyn, riscos ao Estado de Direito e alertas de Anistia e HRW após 2023

O Brasil vive um dilema moral e político: a verdade se tornou objeto de disputa e a mentira — quando usada como instrumento de poder — ameaça transformar exceções em regra. A inquietação não é só retórica: prisões preventivas em massa, bloqueio de contas bancárias, remoção de perfis e ações diretas do Supremo Tribunal Federal fazem parte de um roteiro que muitos enxergam como perigoso para as garantias fundamentais.

O caldo de cultura da mentira e por que isso importa

Para entender o presente, vale voltar a avisos históricos. Em 1974, Aleksandr Solzhenitsyn, recém-expulso da União Soviética, advertia o Ocidente sobre algo mais corrosivo que a repressão física: a convivência com a mentira, numa preocupação hoje chamada de normalização da mentira. No ensaio Viva Sem Mentiras (Live Not By Lies), ele afirmava que o sistema soviético se sustentava porque “todos participavam da mentira e todos eram punidos por se recusarem a repeti-la”.

Essa observação ajuda a ler o que ocorre no Brasil pós-2022: após as eleições e os tumultos de janeiro de 2023 — oficialmente descritos como “ataque às instituições” e “tentativa de golpe de estado” — proliferam medidas cujo alcance e proporcionalidade provocam críticas de juristas, organizações de direitos humanos e parte da sociedade.

Medidas, críticas e os riscos ao Estado de Direito

Entre as ações tomadas, destacam-se prisões preventivas em massa, bloqueio de contas bancárias, remoção de perfis e conteúdos online por ordem judicial e processos conduzidos diretamente pelo Supremo Tribunal Federal. Renomados juristas apontaram que, em muitos casos, faltaram as garantias usuais de duplo grau de jurisdição, em direto desrespeito ao devido processo legal, aos direitos pétreos do artigo 5º, da CF88 e todos os demais dispositivos e garantias do cidadão.

Organizações internacionais também soaram o alarme: a Anistia Internacional e a Human Rights Watch alertaram para a necessidade de transparência e proporcionalidade nas ações contra manifestantes e influenciadores. No mesmo campo do discurso, o ministro Alexandre de Moraes afirmou durante o julgamento do suposto “núcleo da desinformação” que “atacar as urnas não é liberdade de expressão, é crime”, frase que muitos interpretam como justificativa para controle mais amplo do discurso público.

Quando a linguagem é controlada

Solzhenitsyn identificou três fenômenos que acompanham a mentira de Estado: controle da linguagem, inversão moral dos conceitos e naturalização da injustiça. Palavras como “paz”, “democracia” e “justiça” podem ser usadas para encobrir o contrário. A violência passa a ser “necessária”; a censura, “proteção do povo”; a prisão de opositores, “defesa da revolução”.

No Brasil contemporâneo, esse padrão aparece quando narrativas oficiais classificam ações e reações de maneiras que polarizam o país e reduzem o espaço para o dissenso. Jornalistas e veículos independentes denunciam estreitamento do espaço para críticas, especialmente nas redes sociais, onde processos e censuras contra críticos do Judiciário têm sido frequentes.

Consequências para a vida pública e a sociedade cristã

Para o público cristão que acompanha política, profecias e a interpretação dos acontecimentos à luz da fé, a normalização da mentira é especialmente inquietante. A Bíblia traz standard moral que ajuda a discernir: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32) e há advertências claras sobre a prática da falsidade. Quando o poder define o que pode ou não ser dito, a verdade deixa de ser bem público e passa a ser propriedade do Estado — e a liberdade coletiva empobrece.

Rubens C. Lamel, autor da análise que inspirou este texto, resume: “Quando o poder define o que pode ou não ser dito, a verdade deixa de ser um bem público e torna-se propriedade do Estado.” Ele alerta que a tirania começa quando a mentira se torna hábito.

Linhas de tensão: segurança, impunidade e retórica política

O episódio de janeiro de 2023 foi interpretado por muitos analistas como reflexo de desesperança popular diante de um sistema político percebido como fraudulento e corrupto. A reação institucional — por vezes descrita como excessiva — suscitou o dilema clássico: até que ponto restringir liberdades em nome da preservação da liberdade? É legítimo destruir mecanismos democráticos para “salvar” a democracia?

O cenário político mostra também contradições éticas. A fala do então candidato Geraldo Alckmin — “Depois de ter quebrado o Brasil, Lula diz que quer voltar ao poder. Ou seja, meus amigos, ele quer voltar ‘à cena do crime’” — e a posterior aliança entre os citados foram citadas por Lamel como demonstração de decadência ética e da facilidade com que a mentira é usada na política.

Para quem crê, a vigilância não é só política: é espiritual. A mentira, quando aceita, corrói instituições e corações. Solzhenitsyn lembrava que “a linha que separa o bem do mal não passa entre classes, nem entre partidos, mas pelo coração de cada ser humano”.

O que defender agora: princípios cristãos e civis

Defender a verdade — mesmo quando impopular — é um dever cívico e cristão. Isso implica lutar por processos justos, pela presunção de inocência, pelo duplo grau de jurisdição e por medidas proporcionais que não calem o dissenso legítimo. Também exige denunciar mentiras quando partem de setores que se arrogam defensores da ordem.

Em resumo, três atitudes são urgentes: manter uma imprensa livre e plural, exigir transparência e garantias judiciais e cultivar integridade pessoal. Sem isso, corre-se o risco de adaptar a sociedade a uma nova normalidade onde a mentira governa e a liberdade encolhe.

O desafio para o Brasil é claro e imediato: escolher entre a conveniência da mentira e o custo — muitas vezes alto — de viver pela verdade. Para os cristãos, a chave é agir com coragem moral, buscar a justiça e lembrar que a fé não é apoio à mentira, mas raiz para a coragem de falar a verdade em tempos difíceis.

Texto inspirado em análise de Rubens C. Lamel publicada em Notícias e Opinião, com referências a declarações públicas e alertas de organizações de direitos humanos.

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